Um poder que se serve, em vez de servir, é um poder que não serve
Os romanos na Antiguidade tinham um hábito muito importante: todas as vezes que um general, um líder importante, voltava de uma dura batalha com uma retumbante vitória, ele entrava em Roma e tinha que deixar o exército no lado de fora, num grande campo aberto, que era chamado de Campo de Marte, dedicado ao deus da guerra. O general subia numa biga, aquele carro de combate com dois cavalos, conduzida por um escravo. O líder se apoiava na lateral da biga para ser aclamado pelo povo. E atravessava toda a cidade de Roma até o senado, onde seria agraciado com a maior honraria que um general poderia receber naquela época: uma bandeja com folhas de palmeira em cima. Era uma honra inacreditável. Tanto que, contam os cristãos, no Domingo de Ramos se faz um tapete com folhas de palmeira para Jesus de Nazaré. Qual o outro nome que a gente dá em português para uma bandeja de prata? Salva. Portanto, o general ia receber no senado uma salva de palmas. Com o te po, a salva de palmas foi substituída por aplausos, dado que as nossas mãos parecem mesmo com folhas de palmeira.
O general ia em direção ao senado e, por lei, um segundo escravo acompanhava a biga de pé. Esse segundo escravo tinha uma obrigação legal: a cada quinhentas jardas, ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do general a seguinte frase: “Lembra-te de que és mortal”. A biga se deslocava mais quinhentas jardas, e ele novamente sussurrava novamente o alerta.
Já imaginou? Tem gente que precisaria de alguém com cargo e função que, ao menos uma vez por semana, grudasse nele e dissesse: “Lembra-te de que és mortal”.
Isso serve para nós, humanos, que muitas nos orgulhamos de um poder estranho, o poder sobre a natureza, o de domar os rios, o de construir, o poder sobre as pessoas. A finalidade central do poder é servir. Eu costumo dizer que um poder que se serve, em vez de servir, é um poder que não serve. Uma das questões da ética é regularmos as nossas relações de maneira que o poder possa servirem vez de se servir. Nós somos um animal tão arrogante que nem aceitamos sermos chamados de animal. Algumas pessoas acham que tem “gente que vale” e “gente que vale menos”: minigente, nanogente, subgente. Gente que é menos, por causa da cor da pele, do sotaque que usa, do dinheiro que carrega, da escolaridade que tem, do cargo que ocupa, do país que nasceu, da religião que pratica.
Quando alguém tem essa postura, o reflexo na ética é muito forte. Ética não é uma fachada que você ou eu usamos. Quando uma pessoa discute ética, quando uma empresa traz o tema à tona, ela manifesta uma coragem que a discussão sobre ética não é uma discussão cínica, na qual fingimos aderir. É uma coisa séria. Afinal de contas, se estamos falando de ética, estamos falando na capacidade de supormos que existem relações entre as pessoas que têm de preservar a dignidade do outro e a sua própria dignidade.
O que é ser humano? Quem somos nós? Quem sou eu para dizer assim: “Sabe com quem está falando?”. Quem sou eu para achar que posso fazer o que eu quiser nos negócios, na política? Quem sou eu para achar que posso praticar corrupção, o desvio, a quebra ética? Quem sou eu para achar que eu sou mais, e os outros?.
Há pessoas que apequenam a vida, apequenam com o preconceito, apequenam com a arrogância, apequenam com a venda da própria alma.
Para finalizar, é preciso colocar em destaque uma frase do grande beneditino francês, que escreveu Gargântua no século XVI, François Rabelais, que disse: “Conheço muitos que não puderam quando deviam porque não quiseram quando podiam”.
Se a gente pode e a gente quer, a gente deve.
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