Bela é uma jovem
que mora num lindo paraíso, praias límpidas e quentes, produtor de ritmos
dançantes, atrevidos e de uma literatura vasta e abundante, vegetação e fauna
diversificada, clima abrasante e festivo. Diante da exalação de alegria, Bela
quedava-se triste. Seguia para a escola diariamente, mas temia ser vítima da
imódica violência que atingia seu estado. Superando o medo e os Boletins de
Ocorrência, Bela seguia para escola com o caderno e caneta que recebeu de seus
pais, pois o governador não entregara o kit escolar nem a Bela, nem a nenhum de
seus colegas de sala, de igual modo, o fardamento. Seus pais fizeram muito
esforço para comprar o produto. Custava muito. Estavam desempregados em
decorrência da transferência das empresas nas quais trabalhavam, essas se
mudaram para estados cujas taxas de impostos eram menores. A merenda também era
escassa e de qualidade baixa, mas era compreensível, já que o governador
precisava ofertar um exímio Buffet, no valor de R$ 138 mil, no camarote de um
Festival artístico que ocorria durante o inverno, talvez isso também
justificasse o não pagamento do piso salarial aos professores de Bela,
possivelmente era uma maneira de poupar para investir em flores e crustáceo
servidos no Palácio do Governador e também em paletós luxuosos, nada mais
justo.
A vida seguia
nesse estado: alto índice de violência, abalos econômicos, afronta à moral
pública, estradas destruídas, caos na saúde, mas na educação, com muito
esforço, alguns até conseguiam analisar certos aspectos da matemática, (o
exemplo é a maquiagem de dados), mas se o tema fosse gênero, os alunos sabiam
discutir com propriedade. Pensando nisso, o grupo de legisladores não poupou
esforços na confecção de leis que viabilizassem ainda mais a discussão sobre
essa temática. Só resta agora encontrar uma utilização para tamanho
conhecimento, a aplicação da teoria - Bela e seus amigos aguardam ansiosos.
![]() |
Pixabay/Reprodução |
Numa aula de
matemática, Bela aprendeu sobre porcentagem e aplicou seus conhecimentos à
conta de água, logo chegou à conclusão de que ela ampliara em 6,12%, viu em
alguns escassos noticiários de que havia sido a mando do tal governador, pensou
ela: ele dever estar com dificuldades de pagar aqueles R$ 31,2 milhões que deve
à empresa de saneamento e água, então, socialista que é, decidiu repartir com a
população a dívida. Aprendeu o que era socialismo nas aulas de humanas, era-lhe
transmitido como um sistema justo e igualitário, mas ela confundia-se muito
quando fazia análises comparativas entre a teoria e a prática de países
socialistas. Bela percebeu que servia para análises de figuras de linguagem, já
que vislumbrava claramente as antíteses e os paradoxos por eles propagados:
liberdade sem direito a críticas, pluralidade de um só partido político,
respeito e tolerância atacando pensamentos opostos, eram quase que incontáveis
os exemplos e seguiam como reticências.
Alguns de seus professores
passavam horas explicando como o núcleo de gênero era importante para a
formação dos alunos. Bela queria entender se havia relação entre os números de
acidentes de trânsito e a 8ª posição do estado no ranking das piores estradas
do país, mas só ouvia que o atual mandato coletivo no legislativo (ou mandatA,
como gostavam de se intitular) estava produzindo grandes benefícios ao estado,
tal como a tentativa de reprimir a liberdade de expressão de alguns grupos
religiosos que fossem considerados preconceituosos e fundamentalistas (PL
239/2019). Bela percebeu que nessa categoria encaixava-se sua família, não que
eles fossem preconceituosos, mas que os considerariam assim por opiniões
embasadas em seus preceitos de fé. Temia retaliação, reprovação, e assim, pouco
a pouco se fechou em seu mundinho e de lá observava que alguns colegas pensavam
semelhante a ela e questionavam a denúncia feita contra o governador sobre o
destino dos R$ 1,2 bilhão repassados para cuidar da saúde pública, mas só
ouviam como resposta que o enfrentamento ao preconceito de gênero era essencial
ao desenvolvimento de todos os estudantes.
Um novo aluno
chegara à escola de Bela, viera de outra cidade e narrara aos demais colegas
que lá a construção da Unidade de Atenção Especializada estava paralisada, mas
as respostas insistiam em citar que o núcleo de gênero era demasiadamente
importante ao desenvolvimento pleno de cada estudante. Muitos dos professores
flutuavam ao falar sobre esse tema para os discentes (como gostavam de chamar os
alunos). Tudo o que aprendiam nas exímias formações era reproduzido com muita
prazia. Sentiam-se ultrarrevolucionários desbravando novas concepções e teses
ultramodernas que os tornavam ultra intelectuais.
Alguns alunos
ainda ousaram questionar sobre o fechamento do órgão que investigava corrupção,
logo foram imperativamente silenciados, sobre isso sequer os sindicatos ousavam
falar, na verdade esses não questionavam nenhum ponto da administração
estadual, fingiam atuação tecendo críticas às políticas federais, assim,
poupavam perseguição e ainda contribuíam para a implantação de suas filosofias
políticas.

A indicação de
livro hoje é Ideologia de Gênero na Educação, de Marisa Lobo. Que Deus vos
abençoe.
Amanda Rocha é professora e escritora
Se Bela não for enquadrada na estatística percentual do quadro de minoria insignificante, talvez se encaixe num novo musical:
ResponderExcluir"A Bela e as Feras".
Entretanto, seria cômico se não fosse tão trágico!