Olhar para alguns capítulos mais distantes da história pode
ser ocasião para grandes aprendizados: a lição dos heróis e dos gigantes de
outros tempos pode indicar-nos a direção a trilhar enquanto, por outro lado, as
imprevisões e erros antigos aconselham ao homem moderno qual caminho não tomar.
A história da Roma Antiga tem suas páginas memoráveis – e
isto comprovam tanto os belos monumentos artísticos produzidos na época quanto
as importantes obras arquitetônicas que uniam um extremo ao outro do Império. O
próprio ambiente de pax romana que surgiu ao alvorecer do primeiro milênio
foi o que possibilitou aos habitantes da Cidade Eterna granjear relativa
estabilidade e tranquilidade, além de presenciar a expansão da religião cristã,
cuja semente só caiu em terreno fértil porque aquela era, no dizer de São
Paulo, "a plenitude dos tempos" (Gl 4, 4).
Ao mesmo tempo, porém, à narrativa de alguns costumes
decadentes no Império Romano é impossível não relacionar a fragilidade moral
dos tempos atuais. Enquanto Jesus nascia, em Belém, na Palestina, o ambiente
que o circundava era repleto das mais terríveis maldades, práticas que,
infelizmente, o homem contemporâneo tem descido para recuperar, precipitando a
civilização em uma nova – e mais devastadora – ruína.
E as semelhanças não são poucas, a começar pela excessiva
intervenção do Estado na vida dos indivíduos. O historiador francês Daniel-Rops
avalia: "Em todos os tempos e países, a substituição das tendências
naturais do homem pela vontade do Estado é sempre um indício de decadência. Um
povo está muito doente quando, para viver honestamente e ter filhos, necessita
de prêmios ou de regulamentos" [1].
Em Roma, "uma massa popular mais ou menos ociosa, formada
por camponeses desenraizados, trabalhadores autônomos agora privados de
trabalho, escravos libertos e estrangeiros cosmopolitas" formou um terreno
fértil para o parasitismo estatal:
"O antigo romano, tão sólido no seu trabalho, torna-se
o 'cliente', o parasita, a quem a 'espórtula' remunera uma fidelidade suspeita.
Os imperadores têm de contar com esta plebe lamentável e por isso a rodeiam de
atenções. Mas um povo não se habitua à mendicidade e à preguiça sem que a
sua alma seja atingida. Em breve a covardia e a crueldade andarão de mãos
dadas com o vício, e o vício, como diz a sabedoria popular, é a mãe de todos os
males. Já não há quem queira combater nas fronteiras, como não há quem queira
trabalhar a terra. E assim aquela imensa multidão, para se distrair, irá
procurar nos jogos do circo os prazeres que acabam por degradar a sensibilidade
humana." [2]
Muitos dos nossos contemporâneos têm substituído a livre
iniciativa, os seus próprios sonhos e projetos, para viver à custa do Estado,
granjeando benefícios sem passar pelo fardo duro do trabalho; têm
preferido a medíocre política panem et circenses a uma vida de batalha diária
na família, no trabalho ou nos estudos - uma vida de sacrifícios, sim, mas de
muito maior e mais nobre valor moral.
Ao lado desta dependência lamentável do Estado, é crescente
o drama de uma sociedade estéril. Vários países europeus, para conter o
"inverno demográfico", veem-se obrigados a dar incentivos à sua
população para que ela queira ter filhos. O antinatalismo hoje reinante na
Europa é, pouco a pouco, exportado para os países subdesenvolvidos, fazendo com
que as famílias diminuam o número de seus filhos aos limites de seu egoísmo. Há
até um lobby a nível mundial comprometido com a redução em massa da população
do planeta.
Este lobby, pesadamente financiado por grandes organizações
internacionais, não se contenta em distribuir à população os instrumentos para
a contracepção artificial, transformando o sexo em um "parque das
diversões", como também procura implantar, em todo o mundo, o chamado
"aborto livre e seguro". Como causa e consequência disto está o
grande número de mulheres que procuram clínicas para assassinar seus próprios
filhos.
Qualquer semelhança com o decadente Império Romano não é
mera coincidência. "Uma inscrição do tempo de Trajano dá-nos a conhecer
que, de cento e oitenta e um recém-nascidos, cento e setenta e nove são
legítimos, e destes, apenas trinta e cinco são meninas, o que prova
suficientemente a facilidade com que as pessoas se desembaraçavam das meninas e
dos filhos naturais" [3].
Ao fundo de tudo isto, estava a cegueira de um povo que,
ludibriado pelas benesses estatais, divinizava seu imperador. "O culto
imperial não cessará de crescer ao longo dos dois primeiros séculos. Todos os
sucessivos senhores do Império o estimularão (...) por verem nele, em última
análise, uma forma de lealismo e a expressão visível da dedicação dos súditos
ao seu senhor" [4].
Se é verdade que o culto a personalidades políticas é bem
evidente em países que sofreram com a dominação socialista, todavia o que mais
se assemelha à pretensão romana de uma religião universal é, sem dúvida, o
projeto globalista new age. Em uma das conferências do Milênio promovidas
pela ONU, em 2000, organizou-se uma coalizão chamada United Religions
Initiative ["Iniciativa das Religiões Unidas"], cujo propósito é
nada menos que "superar as religiões dogmáticas" [5], rumo à ereção
de uma nova religião universal.
É claro que esta pretensão internacionalista não pode
conviver pacificamente com a religião cristã, essencialmente dogmática, assim
como a comunidade dos primeiros seguidores de nosso Senhor representava um
verdadeiro insulto ao culto ao Imperador. Novamente, o poder maligno da Besta,
narrado no Apocalipse de São João, manifesta-se em toda a sua impiedade e
malvadeza. Nunca se viu tanto esforço para emular a decadência de um Império.
Referências
DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos Apóstolos e dos
Mártires. Quadrante: São Paulo, 1988, p. 129.
Ibid., p. 128.
Idem.
Ibid., p. 122.
SANAHUJA, Juan Claudio. Poder Global e Religião
Universal. Campinas: Katechesis/Ecclesiae, p. 72.
Fonte: Site do Padre Paulo Ricardo
Comentários
Postar um comentário